Por que investir na primeira infância pode mudar o Brasil.
Estudos mostram como o investimento nos primeiros
cinco anos de vida das crianças pode garantir incremento de até 60% à
renda da população e reduzir problemas de baixa escolaridade, violência e
mortalidade infantil.

- Por volta dos dois anos de idade, o cérebro do ser humano atinge o
pico de sua atividade. Nessa fase, é possível estabelecer até 700 novas
conexões neuronais por segundo - praticamente o dobro de sinapses
executadas aos dez anos de idade, de acordo com estudos feitos pela
Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. É nessa fase que se
formam as bases de aprendizado que serão utilizadas ao longo de toda a
vida. Entretanto, mais de 200 milhões de crianças ao redor do mundo
nessa faixa etária não conseguem atingir seu pleno potencial cognitivo
por estarem expostas a fatores como subnutrição, pobreza, violência e
aprendizagem inadequada. No Brasil, a vulnerabilidade social atinge
21,6% das crianças de zero a três anos, segundo dados da ONG Todos Pela
Educação, com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad)
2013. Na zona rural, a taxa sobe para 40%.
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- Para o Banco Mundial, instituição que financia projetos em países em
desenvolvimento, reverter essa situação não é apenas uma necessidade
ética, mas também uma atitude inteligente do ponto de vista econômico.
"O prejuízo causado para os cofres públicos para contornar problemas
como baixa escolaridade, falta de segurança e mortalidade infantil seria
incomparavelmente menor se os recursos fossem destinados para estimular
o bom desenvolvimento das crianças na primeira infância", defende
Claudia Costin, diretora da área de educação do Banco Mundial.
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- A especialista conversou com a reportagem de VEJA.com durante
conferência realizada em São Paulo na última semana, que reuniu
especialistas das áreas de saúde, educação e proteção social para
debater políticas de incentivo aos cuidados nos primeiros anos de vida
das crianças. Durante o evento, o Banco Mundial lançou o relatório
"Intensificando o Desenvolvimento da Primeira Infância", que oferece
orientações a governantes sobre como implementar ações para reduzir os
principais problemas de vulnerabilidade social.
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- As intervenções abrangem desde o atendimento pré-natal até os
cuidados ao longo dos seis primeiros anos de vida, visando cuidados com
nutrição, educação, saúde, saneamento básico e proteção social. "A
maioria das ações não requer altos custos. A suplementação de ácido
fólico na gravidez, por exemplo, custa cerca de três dólares por pessoa,
mas garante desempenho 20% acima da média ao longo da vida escolar da
criança", explica Claudia.
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- Outro estudo divulgado durante a conferência reforça a ideia.
Coordenado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que promove
projetos de desenvolvimento na primeira infância, o trabalho mostra que,
no longo prazo, crianças expostas a menos oportunidades de
desenvolvimento nessa fase tornam-se, com maior probabilidade, adultos
pobres, produzindo o fenômeno conhecido como ciclo intergeracional da
pobreza. "A evidência empírica demonstra que crianças que frequentaram
boas escolas e tiveram atenção à saúde adequada na primeira infância
tornaram-se cidadãos com menor propensão ao envolvimento com tabagismo,
alcoolismo, criminalidade e violência, além de precisarem menos da ajuda
do governo para sua sobrevivência", diz o relatório assinado por
educadores, psicólogos e economistas.
-
- No início deste mês, a Fundação estabeleceu uma parceria com o
governo de São Paulo para realizar projetos que integram saúde, educação
e proteção social em 34 cidades do Estado. A partir de 2015, o programa
Primeiríssima Infância vai oferecer assistência qualificada para
aproximadamente 5.000 gestantes e 11.500 crianças de até três anos de
idade, além de capacitar professores, pediatras e assistentes sociais.
"Existe certa burocracia nos governos para fazer projetos integrados
entre diferentes pastas, mas as pesquisas mostram que esse é o melhor
caminho para uma ação efetiva", explica Eduardo Marino, porta-voz da
Fundação.
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- Incremento na renda e qualidade de vida - O
crescente movimento em torno desse tema nos últimos anos tem como
percussor o economista americano James Heckman, ganhador do prêmio Nobel
de Economia em 2000. Ao longo dos últimos dez anos, Heckman fez
�dezenas de análises sobre educação infantil e comprovou que o
investimento na primeira infância pode resultar em um incremento de
renda de até 60% de adultos que frequentaram creches, se comparado a
pessoas que não fizeram essa etapa de ensino. "O investimento em
educação infantil significa investimento em capital humano. Um dos
estudos, realizado em uma pré-escola chamada Perry, nos EUA, mostrou que
após cinco anos, 67% das crianças que tiveram acesso à educação desde
cedo registraram QI acima de 90 - no grupo que pulou essa etapa, apenas
28% atingiu esse patamar", afirmou o pesquisador ao site de VEJA.
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- Ainda de acordo com Heckman, após 14 anos, o grupo que participou do
programa de educação infantil teve o triplo de notas satisfatórias ao
longo da vida escolar em comparação com estudantes que não tiveram o
mesmo acesso. "Também houve impacto significativo na redução do
envolvimento com criminalidade e até mesmo na capacidade de manter uma
relação afetiva estável", conclui.
-
- Para Ann Masten, professora da Universidade de Minnesota, nos EUA, e
representante do fórum Investing in Young Children Globally (IYCG),
formado por 21 organizações públicas e privadas para incentivar
políticas nessa área, as pesquisas de Heckman estão ajudando a mudar o
modo como a educação infantil é pensada. "Estamos assistindo a um
movimento muito positivo na sociedade: as pessoas estão reunindo seus
conhecimentos, seja na economia, saúde ou educação, para investir no
futuro. Já sabemos o quão prejudicial pode ser a falta do atendimento na
primeira etapa da vida das crianças e agora estamos reunindo recursos
para reverter a situação. Os avanços que temos visto nos mostra que é
possível reduzir as diferenças socioeconômicas ainda no berço."
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